Os meus olhos vêem as mesmas imagens que os seus? As árvores de que tanto gosto, cuja beleza tanto aprecio, comovem-no tanto quanto a mim? Quando tenho a oportunidade de observar a lua (principalmente a lua cheia) por entre os galhos e as folhas de uma frondosíssima árvore, sinto que me aproximo de algo divino. O contraste proporcionado entre a claridade da lua e das nuvens e a escuridão das folhas e dos galhos deixa-me embevecida como num transe, em que me parece estar em sintonia com algo transcendente.
Para Fernando Pessoa, através do seu heterónimo Alberto Caeiro, o luar através dos altos ramos nada mais é do que o luar através dos altos ramos. Era assim que a sua alma, o seu espírito, via o luar através dos altos ramos: apenas a existência física de uma imagem. Ele era um poeta existencialista, e o existencialismo, teoria filosófica do início do séc. XX, caracterizou-se pela realidade concreta; o que importava a um existencialista era o que se via, como se o que se vê existisse exatamente como se o vê. Não o é, porém. Discordo, portanto, de Fernando Pessoa, apesar de ser leitora contumaz de seus poemas e o julgar um dos melhores poetas de todos os tempos.
VER É PERCEBER COM A ALMA.
Ver não é simplesmente ver; não é simplesmente perceber com os olhos. Ver é perceber com a alma, com o espírito; é deixar-se envolver; é deixar-se cativar. Muitos são os que olham e nada vêem, pois não se emocionam com o que as imagens representam. Vêem fria e racionalmente. Não sabem, talvez, que é possível mudar a maneira de ver o que o mundo nos proporciona. Ou sabem, mas não se interessam por isso; estão tão acostumados com a frieza do seu próprio olhar perante as imagens que se lhes apresentam, que se negam a ver a beleza nelas contida.
Pode-se treinar o olhar, pois nunca uma mesma imagem representa a mesma sensação. Cada olhar é um fenómeno diferente do outro, mesmo que se olhe para o mesmo objeto no mesmo lugar, repetidamente. É mais ou menos como a teoria de Heráclito de Éfeso, um filósofo pré-socrático, considerado o pai da dialética, que dizia que ninguém entra duas vezes no mesmo rio, pois nem a pessoa é a mesma que havia entrado no rio, nem o rio é o mesmo de quando ela havia entrado nele. Tanto um quanto o outro se modificaram com o tempo.
NÃO SOMOS O QUE JÁ FOMOS; NÃO SEREMOS MAIS O QUE SOMOS.
Não somos agora o que fomos outrora e não seremos mais o que agora somos. É imprescindível, portanto, que se eduque o próprio olhar para aprender a ver com mais emoção o que se passa diante dos olhos. É o aprender a ver, não meramente com os olhos ou com o intelecto, mas o aprender a ver com o coração. Educar o olhar inicia-se com a consciência de que não vemos as imagens, mas sim a nós mesmos refletidos nelas.
Eu sou aquela árvore que vejo, sou os ramos e as folhas, sou a lua e as nuvens, sou a claridade e a escuridão. Meus olhos são o espelho do mundo, pois refletem a mim mesma o que há de concreto no mundo, mas o que é refletido tem o significado que a minha alma expuser, que o meu espírito decifrar. Sou eu mesma, portanto, refletida nas imagens que captei, que já não são mais as mesmas; transformaram-se nas imagens que eu criei.
APRENDER A DECIFRAR A PRÓPRIA ALMA.
Para isso acontecer, porém, tenho de aprender a decifrar a minha própria alma; tenho de aprender a conhecer-me, a mim e às minhas raízes, aos meus princípios. Tenho de abrir as janelas da minha alma. Tenho de transformar o meu olhar em algo substancial, nutritivo, pois ele é que proverá a minha alma de imagens a serem descodificadas.
Tenho também de transformar a minha alma num núcleo formador de benevolência, para que tudo o que seja incorporado nela através do olhar me deleite, me deixe embevecida, satisfeita. Assim transformar-me-ei numa pessoa melhor e poderei ajudar as pessoas com as quais convivo a melhorar também o nosso meio. Acredito que quanto mais pessoas houver pensando assim, melhor será a nossa sociedade.
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