Para Refletir

sexta-feira, 25 de março de 2016

Quero-te

Quero-te, mas o tempo não quer que eu te tenha. O cenário é perfeito para uma querença assim: chove, venta, faz frio, há uma manta que nos cobre, aos dois, no final de uma comédia romântica das que tu gostas, e é fim-de-semana, não há emprego que me chame, não há compras que eu precise de ir fazer e não marquei nada com ninguém noutro lugar – não tenho compromisso nenhum. Estou aqui, contigo a meu lado, tal como eu, fazendo nada, rigorosamente nada, e a quereres-me também, sentindo que o tempo não quer que me tenhas também. Amor como o nosso é o que liga duas pessoas com habitual – muito habitual mesmo – apetite de corpos nus, colados, aguados, e a serem como duas chaleiras sobre o mesmo fogão, atingindo o ponto de fervura ao mesmo tempo – mas não temos tempo que nos permita isso. O tempo não quer que tenhamos isso, porque se acha pouco, porque se acha tempo sem tempo para o tanto que nos queremos. E nós aceitamos. Concedemos. Condescendemos. Mas improvisamos. Vestidos, reinventamos. Nos nossos olhares despidos de tudo, metemos, então, as nossas vidas inteiras, e fazemos amor assim – demoradamente. Há toques com as mãos na pele e tudo: olhando-te, apenas, sinto as linhas das tuas pernas, a curvatura das tuas ancas e as formas de cada medida tua. E há saliva tua em mim, saliva minha em ti, sopro quente de um no ouvido do outro, peito no peito, ventre no ventre, espasmos, e “abraça-me” e “amo-te” e… “ah…!”, sem qualquer som. E relaxamento, de seguida. E um abraço final. E segundo engano ao tempo, num outro olhar que se segue. E terceiro engano ao tempo, num olhar mais que trocamos quando, por fim, ele mesmo concede e condescende, e permite que as nossas roupas voem e que, nada tarde, a tempo, as nossas cútis se falem o tanto que querem, segredando, de alto a baixo. Porque os olhos comem mas não têm o palato que o resto do corpo tem.

Sérgio Lizardo
www.facebook.com/sergio.lizardo.escritor

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