Sinto uma pontada no peito cada vez que oiço esta palavra: obrigação. Chego até a suspirar. Ela tem uma densidade, uma carga opressora que pesa mais que um elefante. Só o facto de cumprir com uma imposição, seja ela qual for, acaba com o tesão de qualquer um. Mas até aí tudo bem, porque é impossível seguir somente as nossas vontades, fazer só aquilo que nos dá prazer. Então vamos levando, exercendo a parte chata da vida. Acostumamo-nos a responder mecanicamente às demandas da rotina, dos afazeres, dos compromissos. É normal (há quem pense!). Todos nós somos cumpridores dos nossos deveres. Mas quando o assunto é amor, Deus me livre do dever de amar.
Como é possível ser obrigado a amar? Não, não deveria ser possível. O amor é o sentimento mais bonito, mais forte e puro que existe. Quando se mistura, ele perde a essência e converte-se noutras coisas que nada têm a ver com amor. Posse, aprisionamento, carência, dependência, insegurança. Deixa de ser genuíno e grandioso. Despede-se da vontade do outro, do prazer da companhia, da paz, da saciedade, da segurança emocional.
Quando o amor vai embora parece que ele deixa um clone no seu lugar. A sua cópia fidedigna, tão semelhante e ao mesmo tempo tão diferente. As pessoas transformam-se na sombra do que foram um dia, vão chutando para a frente um sentimento lindo de outras épocas pela razão de ter sido especial, mesmo que o presente nada se pareça com o passado. No fundo, elas têm a esperança de que um dia acordem felizes e unidas como noutras épocas. Acreditam que é só uma fase, que a nuvem negra vai passar. Depois convencem-se de que o amor já não está mais ali, mas em memória do que ele já foi, permanecem na penumbra da obrigação de se amarem um ao outro.
É tão injusto que dois corações se aturem num compromisso de estarem juntos. Ficam ali, lado a lado, amargurados, avulsos mas amarrados, porque se prometeram e agora cumprem com a obrigação de uma felicidade forçada. Sem a menor vontade de amar, dizem “eu te amo” inanimados e automáticos, entre abraços frouxos e beijos secos. Vivem na lonjura de um mesmo teto, entre sorrisos contidos e olhares baixos.
Então o exercício de amar consome-se no dever chato, cansativo, tedioso. Pessoas unidas pelo compromisso e não pela vontade, alegrias superficiais e frustrações profundas, o sonho de ser feliz como antigamente e a realidade triste da solidão acompanhada. Ao mesmo tempo, a sensação de segurança que o compromisso traz e o medo de sair da zona de conforto para assumir a individualidade.
Já temos tantas obrigações! Que o amor não seja mais uma. Que ele perdure o tempo que for verdadeiro, que seja inteiro. Que estejamos unidos por querer e separados também.
Deus me livre da incumbência de amar, de ser feliz num faz-de-conta, da rejeição da minha companhia!
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